Uma das Obras que eu coordenava e que ficava período integral em 3 ou 4 dias na semana, tinha como encarregado geral um senhor chamado Estevão. Era daqueles que trabalhava com a alma - além de coordenar muito bem a equipe, sempre ultrapassava seu limite de resistência físico. Tinha 63 anos, mas como todo nordestino, pensava eu, aparentava pouco mais de 50, pela agilidade com que escalava os taludes da Obra. Era sim, marcado pelo tempo. O trabalho duro tinha exposto seu rosto ao sol intenso por muitos anos e profundas rugas estavam à mostra, principalmente quando ele mostrava seu sorriso protetor. Trabalhava há 10 anos na mesma empresa, cujo dono era um tipo mau caráter de linhagem pura. Já foi secretário de alguma coisa no interior (arranjo político, claro), acostumado a se relacionar com notáveis e pessoas influentes, porém não poupava esforços em ser mal educado, grosso e desprezível com os que não lhe proporcionariam alguma vantagem. Como um náufrago agarrado ao seu pequeno tronco, mantinha a mesma atitude dos reacionários dos anos 70, colecionando favores e cartões de visita.
Porém, sua maior virtude era chacoalhar aquela imensa e bizarra pança escondida sob a camisa social, enquanto disparava palavrões e gritos aos empregados. Obviamente eu acabaria na sua linha de tiro, pois além de ser mulher, o chauvinista não se aprazia com colegas que não tivessem o mesmo interesse em ostentação. Em um dia de concretagem atrasada, entre optar por berrar com sua equipe (por sua incompetência em não gerir a Mão de Obra) e berrar comigo, tentou se aliar a seus subordinados, alegando que a Obra era mal gerenciada por mim. Não colou. Peão de Obra é humilde, mas não é burro. Me aproveitei da situação e ainda humilhei o pobre, dizendo que tanto estudo e educação não lhe serviram de nada. Parou de me xingar e se calou. No final do dia, Estevão estava inconformado com a atitude de seu chefe. Sei que no fundo ele se culpava por não ter ido em meu socorro, mas nós dois sabíamos que se isso acontecesse, sua demissão seria automática.
Na mesma semana, Wasu começou a trabalhar comigo nessa Obra. Ninguém além de Estevão poderia saber que ele era meu marido. Além da minha discussão com quem passou a ser seu chefe, minha empresa era formada por um grupo de sócios... judeus. Com todos esses fatos a seu favor, combinamos que ele seria indiano e ponto final. Sem contar que ele jamais poderia ficar frente a frente com o meu Diretor, que vinha a cada quinze dias na Obra, sem avisar. Mas isso conto na próxima postagem, pois o sono chegou.Contratado informalmente para manter a limpeza da Obra, inclusive dos banheiros, Wasu ficou nessa função menos de duas semanas. Como precisávamos de alguém responsável por distribuir, controlar e guardar as ferramentas e equipamentos, foi de Estevão a opção pelo Wasu. Eu ainda perguntei como ele iria se comunicar com o grupo, pois não falava um "pito" em português (a não ser números...incrível como ele aprendeu tão rápido a contar, pois são ótimos negociadores). - Se eu consegui, ele também vai conseguir - me respondeu.
Foi assim que descobri que o Estevão nordestino, na verdade era um paraguaio que veio tentar a vida no Brasil há 15 anos e "caiu" na construção civil nas mesmas condições do Wasu paquistanês, agora indiano.
A condição do Wasu nesse emprego era muito frágil, mas além de mim, ele já tinha ganhado um grande aliado e protetor.